15 de julho de 2019
A recorrência de dor lombar em um ano é comum? 69% das pessoas com dor lombar podem ter novos episódios em um ano, mas com poucas limitações.
Aproximadamente 11,25 milhões de brasileiros vivem em comunidades de baixa renda ou “favelas”. Em Jundiaí, minha cidade natal, próxima de São Paulo, são 14 comunidades de baixa renda, sendo que a maior delas abriga cerca de 15 mil famílias. O número de habitantes nas comunidades pode ser muito expressivo, como a Rocinha no Rio de Janeiro, lar de aproximadamente 180 mil pessoas (1).
Em nosso Instituto atendemos muitas pessoas com dor crônica que vivem em alguma comunidade. Uma grande parte dessas pessoas afirma nunca terem frequentado a escola, ou muitas vezes não foram capazes de terminá-la. Isso limita a compreensão de Saúde básica, quanto mais dos fatores biológicos da dor. Muitos já receberam informações de profissionais de saúde que são imprecisas. Então, há dois anos atrás pensamos – e se todas essas pessoas com dor crônica pudessem acessar algumas das informações como nós fisioterapeutas, por exemplo, temos no bodyinmind? E se pudessem evitar alguns dos nocebos que são tão comumente fortalecidos em nosso sistema de Saúde?
Depois de ter essa idéia e seguindo o exemplo de linguagem fácil do livro Explain Pain, reunimos um grupo local de médicos e terapeutas para realizar o programa Rede Saúde & Dor, cujo principal tema sempre foi “O que causa a dor?”. Nossa intenção foi, como de outros (2), explicar esses princípios a pacientes com dor crônica e melhorar suas dores e qualidade de vida.
Pessoas em comunidades de alta e baixa renda estão em risco de entrar em um ciclo vicioso de dor crônica (3). Como sabemos, a dor musculoesquelética crônica é um problema sindrômico multidimensional que pode levar a outras condições de saúde substanciais, como por exemplo, maus hábitos nutricionais (4), tabagismo (5), automedicação (6), rotinas estressantes, etc.
Nosso encontro foi oficializado no Senac Jundiaí, em fevereiro de 2016. Nesse ponto, o que realmente queríamos saber era se poderíamos implementar um programa de educação sobre a dor para ajudar essas comunidades de baixa renda. Claro, este ainda não era um estudo científico. Não tínhamos apoio institucional ou mesmo governamental. No entanto, concordamos em avançar de qualquer maneira.
Contando com a ajuda dos membros de algumas comunidades, principalmente agentes de desenvolvimento local, começamos a fazer visitas domiciliares. Nelas encorajamos as pessoas a se reunirem onde quer que pudessem (casas de familiares, escolas públicas, centros e praças públicas), a fim de ouvir e participar das dinâmicas da Rede Saúde & Dor.
Demorou um tempo para entenderem que não estávamos falando em nome de nenhum candidato político, nem representando qualquer religião. Além disso, também tivemos de explicar que não estávamos propondo uma terapia nem tentando vender qualquer cura.
Dentro de nossos objetivos esteve sempre a idéia de trazer benefícios aos participantes como reduzir a dependência de analgésicos, melhorar a interpretação de cada ação diária baseado no auto-conhecimento que a dor traz, além de conscientizar as pessoas sobre informações médicas prejudiciais e imprecisas.
No que diz respeito a estas dinâmicas de educação, não houve necessidade de uma consulta médica formal. Com o tempo limitado que tivemos, enfatizamos a importância e os benefícios das técnicas de relaxamento, por exemplo. Discutimos como essas técnicas podem reduzir a hipersensibilidade do sistema nervoso central. Para sedentários, explicamos como o exercício pode reativar respostas endógenas analgésicas, e eles se mostraram muito mais motivados a buscar uma prática de atividade atividade física. Mesmo enfrentando muitos profissionais e órgãos públicos relutantes, que insistiam em nos dizer que explicar a dor a comunidades pobres e iletradas era absurdo, continuamos engajados em nosso trabalho de reintegração social. De fevereiro a outubro de 2016 atingimos cerca de 1509 pessoas, e o trabalho continua.
Testemunhos e retornos até agora têm sido muito positivos. Talvez com o tempo nosso trabalho de divulgação ajude as pessoas a serem menos dependentes de remédios e falsas promessas de “curas milagrosas”. Além disso, esperamos também que o significado da dor possa algum dia ser desvinculado de seu status comercial negativo, isto é, que ele sempre indique algo nocivo que precise ser corrigido por um “especialista”.
Embora o sucesso da Encontros Saúde & Dor tenha sido encorajador, agora enfrentamos outro grande desafio: podemos mudar as mentes dos médicos, profissionais da saúde, políticos e empresas nas quais as comunidades de baixa renda parecem confiar tanto em suas informações de saúde? Talvez esse seja o desafio no final: educar os educados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
bbc.com/news/world-latin-america-27635554
archives-pmr.org/article/S0003-9993(11)00670-8/abstract
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26313056
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20007994
Rafael Turqueto Duarte é fisioterapeuta formado na Universidade Federal de São Carlos. Ele sempre esteve interessado em melhorar a saúde das comunidades e está especialmente interessado em educar seus pacientes sobre como funciona a dor. Desde 2014 trabalha no Instituto Saúde & Dor, desenvolvendo um programa de extensão para pacientes que vivem em comunidades de baixa renda em sua cidade natal, Jundiaí, Brasil. Até o momento, o trabalho de educação de Rafael busca financiamento.
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