Exaqueca: Novas Descobertas.

março 29, 2017 - pesquisaemdor

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A migrânea, um tipo de cefaleia também conhecida como enxaqueca, é considerada uma desordem neurológica crônica, afetando cerca de 12% da população em geral (Schwedt et al, 2015), sendo a sexta queixa médica mais incapacitante segundo a Organização Mundial de Saúde. É também a terceira mais comum dentre as neurológicas (Vos et al, 2012). Afeta mais pessoas do sexo feminino, com uma proporção de 3:1, gerando altos custos na economia global anualmente. Só nos EUA, calcula-se um gasto de aproximadamente US$19,6 bilhões ao ano (Goadsby et al, 2017).

Os sinais e sintomas clássicos desta condição são dor de cabeça unilateral de moderada a severa, de caráter pulsátil, normalmente com duração de 4 a 72 horas, podendo ser acompanhada de náusea, vômitos, além de sensibilidade aumentada à diversos estímulos, tais como visuais (fotofobia), auditivos (fonofobia), olfatórios (osmofobia) e somatossensoriais (ICHD III, 2013; Schwedt, 2013). Curiosamente, a migrânea “envia sinais”, chamados de sintomas premonitórios, que podem ocorrer alguns dias antes das crises de dor, como alteração de humor, irritabilidade, fatigabilidade, concentração reduzida, dor cervical, dentre outros (Goadsby et al, 2017). No momento destes sintomas premonitórios, observa-se um aumento no fluxo sanguíneo hipotalâmico, sugerindo um papel importante desta estrutura nas primeiras fases do ataque migranoso (Manyar et al, 2014).

De fato, a dor de cabeça é apenas um sintoma desta condição complexa. Além disso, cerca de 1/3 dos pacientes apresentam um fenômeno conhecido como aura, que pode ser definido como um déficit neurológico transitório, e que precede a crise migranosa, podendo durar de 5 a 60 minutos. O indivíduo relata alterações visuais, como diminuição do campo visual, visualização de pontos brilhantes, déficits motores ou na fala, até mesmo plegias, mas que são totalmente reversíveis com o passar do fenômeno (Rasmussen, 1992).

Embora a migrânea tenha origem central e sua fisiopatologia ainda não seja completamente conhecida, atualmente vem-se destacando uma possível influência da musculatura cervical na perpetuação ou mesmo como gatilho da migrânea. Autores como Calhoun (2010) orientam que devemos entender a dor cervical não apenas como uma consequência da dor migranosa, mas sim, começar a considerá-la como parte integrante da enxaqueca, assim como as náuseas ou vômito já são.

Estudos recentes demonstram que pacientes com migrânea crônica apresentam diminuição da força extensora cervical, além de co-ativação aumentada do músculo esplênio da cabeça durante mensuração da força flexora. (FLORENCIO et al, 2015a). Em outro estudo subsequente do mesmo autor, pacientes com migrânea crônica (mais de 15 dias de dor no mês) mas não episódica, apresentaram aumento da atividade dos músculos extensores superficiais cervicais, principalmente Esplênio da Cabeça e Trapézio Superior durante o Teste de Flexão Crânio-Cervical (Craniocervical Flexion Test) quando comparados a indivíduos controle. Portanto, poderia esta disfunção ser uma das fontes da dor migranosa?

De fato, é sabido que o paciente com migrânea muitas vezes se queixa de dor de cabeça (região parietal, frontal, temporal, orbital) e dor cervical. O modelo que se utiliza para explicar este quadro de dor referida é feita pelo Sistema Trigeminovascular (STV) e Complexo Trigeminocervical (CTC).

Basicamente, o sistema trigeminovascular compreende os vasos responsáveis pela irrigação das meninges e que são inervados por fibras do gânglio trigeminal. Ocorrendo estímulo – quer seja mecânico, elétrico ou químico (inflamatório, por exemplo) – às meninges, ocorre ativação destas fibras sensoriais dos vasos, e estas informações são transmitidas para neurônios situados no Complexo Trigemino Cervical(CTC) via CGRP(peptídeo relacionado ao gene da calcitonina), um importante neurotransmissor.

O CTC é uma área de convergência aferente do nervo trigêmeo e das raízes nervosas da cervical alta (C1-C3). Esta aferência contribui portanto, para que os pacientes possam referir dor simultaneamente em áreas inervadas pelas raízes cervicais altas e pelo nervo trigêmeo – olfatório(V1), maxilar (V2) e mandibular (V3). Por fim, os sinais são retransmitidos ao tálamo e à outras estruturas modulatórias cerebrais. (BOGDUK, 2009; Ferrari et al, 2015).

Embora de fisiopatologia complexa, há muito ainda o que se descobrir sobre a migrânea e como geri-la. Estudos de imagem nos mostram inúmeras áreas cerebrais sendo ativadas durante os ataques da migrânea e, com isso, seus possíveis papeis na gênese dos sinais e sintomas presentes nesta condição tão fascinante.

Novos caminhos estão se abrindo para o manejo da enxaqueca em diversos campos da medicina, e cabe a nós acompanharmos esta evolução.

REFERÊNCIAS

Bogduk N., Jayantilal G. Cervicogenic headache: an assessment of the evidence on clinical diagnosis, invasive tests, and treatment Lancet Neurol 2009; 8: 959–68

Calhoun AH, Ford S, Millen C, Finkel AG, Truong Y, Nie Y. The prevalence of neck pain in migraine. 2010. Headache 50, 1273e1277

Florencio L, Oliveira A., Lemos TW, Carvalho GF, Dach F, Bigal ME, Falla D, De las Peñas CF, Grossi DB. Patients with chronic but not episodic migraine display altered activation of their neck extensor muscles. J Electromyogr Kinesiol. Oct; 30:66-72. 2016

Florencio, LL, de Oliveira AS, Carvalho GF, Tolentino GA, Dach F, Bigal ME, de-las-Peñas CF, Grossi DB. Cervical muscle strength and muscle coativation during isometric contractions in patients with migraine: a cross—sectional study. Headache,10:(55), 1312-1322a, 2015.

Global Burden of Disease Study. Global, regional, and national incidence, prevalence,and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188countries, 1990–2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study2013. Lancet 386: 743–800, 2015

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Samuel Straceri Lodovichi

Graduado em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas(PUCCAMP), especialista em Fisioterapia Traumato-ortopédica pela Santa Casa de São Paulo(ISCM-SP), mestrando pelo Programa de Pós Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional da Universidade de São Paulo-Ribeirão Preto. Atua em Projeto de pesquisa que envolve o estudo da Migrânea e sua fisiopatologia.

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One thought on “Exaqueca: Novas Descobertas.

  • Roberto Krug

    29 de março de 2017 at 21:13

    Parabéns Samuel, muito interessante os novos achados. Como tu diferencia uma dor de cabeça cervicogenica da enchaqueca? Pela fotofobia, sonofobia…? Antes de ler segunda texto eu pensava que essa era uma apresentação clínica mista dessas duas formas de dor de cabeça… grato. Roberto Krug

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