DOR E O EFEITO DO CONTEXTO

agosto 23, 2017 - pesquisaemdor

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A dor não é apenas uma experiência sensorial subjetiva, ela também dependente de uma variedade de fatores cognitivos e emocionais, o que a torna uma manifestação complexa, e propensa à modificações por inúmeras intervenções, sejam elas comprovadas cientificamente ou apenas baseada no empirismo.

No tratamento da dor, o uso de qualquer modalidade terapêutica, seja ela física ou farmacológica, a resposta terapêutica vem acompanhada de efeitos específicos e efeitos inespecíficos. O efeito específico, é aquele que tem mecanismos esclarecidos cientificamente, são quantificáveis e esperados. Por exemplo, aplicação de calor superficial, promove vasodilatação e relaxamento das estruturas locais, consequente analgesia, e favorece processo de recuperação, ou de um fármaco, que ao se ligar à receptores específicos, promove a abertura de canais iônicos, levando a polarização neuronal, e consequente analgesia. Já o efeito inespecífico, esta diretamente ligada ao contexto o qual a terapia é empregada, em que condições ambientais, sociais e psicológicas que o paciente é tratado. Neste aspecto, podemos incluir empatia entre paciente e terapeuta, o local onde ele é tratado, suas expectativas frente ao tratamento, inclusive, e mais raramente, peculiaridades biológicas individuais tornando o pacientes mais ou menos responsivo a terapêutica. O efeito inespecífico é o efeito não esperado, como por exemplo, uma terapêutica inócua, levando à analgesia, ou seja, o polêmico efeito placebo, ou o efeito do contexto positivo. Dentro desta perspectiva, também podemos citar o efeito inespecífico levando a efeitos negativos (efeito do contexto negativo), ou efeito nocivo.

Por hora, nos mantermos nos mecanismos fisiológicos do efeito placebo. Este efeito pode ser modulado de acordo com sua indução e sua mediação psicofisiológica, por isso é um ótimo modelo para estudar o efeito do contexto. De forma geral, todos os processos cognitivos, emocionais e sensoriais que afetam a dor surgem do contexto que envolve a experiência dolorosa. Por esta razão, o estudo do contexto oferece oportunidades terapêuticas adicionais para o manejo da dor, e pode ser fundamental para aumentar a eficácia de diferentes métodos de tratamentos. O ambiente, a abordagem, a expectativa frente a terapêutica criam uma atmosfera que podem potencializar o resultado do tratamento.

Os mediadores psicofisiológicos do efeito placebo caem dentro de duas categorias complementares: o Mecanismo Psicológico e o Mecanismo Biológico. O mecanismo psicológico inclui experiências passadas (efeito condicionante), expectativa relacionada ao tratamento, variáveis motivacionais (desejo de alívio), variações no estado emocional (redução do humor negativo). Todos esses componentes do mecanismo psicológico são orquestrados por intermediários neuroquímicos e neurofisiológicos, que são os responsáveis pelo mecanismo biológico, favorecendo o surgimento do efeito placebo.

Além do mais, ainda podemos categorizar outros dois mecanismos que ativam o contexto positivo: mecanismo consciente, ligado diretamente a expectativa positiva, que prevê benefícios, reduzindo a ansiedade e ativa mecanismo de recompensa; mecanismo inconsciente, que é o condicionado, relacionado a exposição ou conhecimento prévio de algum tratamento, e quando administrado algo que simule a terapêutica, seja em comprimido ou não, pode promover o mesmo efeito da terapia real. Essas categorias que induzem o efeito positivo produzem mudanças cerebrais que estão associadas à dois sistemas neuroquímicos: o sistemas opióide e endocanabinóide endógenos (mecanismo biológico).

A partir de um ponto de vista neuroanatômico, três redes neurais estão envolvidas no processo neuromodulador da analgesia induzida por placebo, o córtex pré-frontal dorso lateral, córtex cingulado anterior rostral, e substancia periaquedutal cinzenta, além de muitas outras que podem ser ativadas ou inibidas em resposta ao placebo.

O estudo do mecanismo placebo tem ganhado bastante expressão nos últimos tempos, principalmente com o advento das práticas baseadas em evidências, e estudos clínicos randomizados placebo controlados que buscam esclarecer quais terapias são realmente efetivas, e apresentam efeitos específicos reais, e diferenciar daquelas terapias que apresentam apenas efeitos inespecíficos. O melhor entendimento dos mecanismos psicológicos capazes de modular a percepção dolorosa e quais as vias neuroquímicas envolvidas nessa modulação, mostram-se como o futuro da pesquisa em dor, assim como da melhora da prática clínica.

 

Rafael Vercelino, PhD

Fisioterapeuta

Mestre e Doutor em Fisiologia Humana

Especialização em Dor e Medicina Paliativa – UFRGS/HCPA

Professor Convidado Programa de Pós Graduação em Ciências da Reabilitação – UFCSPA

 

 

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