15 de julho de 2019
A recorrência de dor lombar em um ano é comum? 69% das pessoas com dor lombar podem ter novos episódios em um ano, mas com poucas limitações.
Oitenta por cento da população sofrerá um episódio de dor na coluna lombar durante a sua vida. Ter dor na lombar é como ficar cansado ou triste; não gostamos, porém isso ocorre em algum momento para quase todo nós. O que não é comum no entanto, é não se recuperar de um episódio de dor na coluna. A maioria dos episódios de dor aguda nas costas tem prognóstico excelente. Nas duas primeiras semanas após um episódio agudo de dor, a maioria das pessoas descreve uma melhora significativa dos seus sintomas, com 85% das pessoas se recuperando completamente aos três meses. Apenas um pequeno número de pessoas desenvolve problemas persistentes e debilitantes.
Ambos, profissionais da saúde e pessoas em comum, consideram com frequência a requisição de imagens radiológicas ‘só pra checar’ se tem algo mais sério causando a dor. No entanto, todas as fontes de evidência sugerem que imagens diagnósticas demonstram algo realmente importante em apenas uma pequena minoria de pessoas (<5%) com dor na coluna lombar. Baseado nos sintomas e história médica de uma pessoa, uma breve consulta com um profissional da saúde (ex: Clínico geral, Fisioterapeuta) permitiria identificar se o exame radiológico seria realmente necessário.
Costumávamos pensar que se tivéssemos uma imagem da coluna que fosse de qualidade suficiente, isto seria um grande auxílio para solucionar os problemas observados no consultório. Contudo, agora, sabemos que isto não ocorre na grande maioria dos casos. Quando as pessoas fazem um exame radiológico devido a dor na coluna lombar, as imagens mostram, com frequência, alterações que têm pouca relação com a dor. De fato, estudos demonstraram que inclusive pessoas que não têm dor na coluna apresentam alterações do tipo protrusão discal (52% das pessoas), degeneração dos discos ou ‘discos pretos’ (90%), hérnias de disco (28%) e alterações ‘artríticas’ visíveis (38%). Lembre-se, essas pessoas NÃO tem dor! Infelizmente, pessoas que tem dor nas costas são informadas que estes achados radiológicos indicam que a coluna está danificada, o que pode levar a mais medo, aflição, stress e evitação das atividades. O fato é que muitas destas alterações vistas em imagens diagnósticas são como a calvície, uma alteração que indica uma combinação de envelhecimento e genética mas que não é necessariamente dolorosa.
Não existe evidência alguma de que dor na coluna é causada por um osso ou articulação da coluna que esteja fora do lugar, ou que a pelve está desalinhada. Para a maioria das pessoas que têm dor na coluna, os exames de imagem não mostram nenhuma evidência de discos, ossos ou articulações que estejam ‘fora do lugar’. Em um pequeno grupo de pessoas que apresentam alguma forma de mudança no alinhamento da coluna, isso não parece estar fortemente relacionado com dor nas costas. É importante notar, é claro, que muitas pessoas sentem-se melhores após receberem tratamento do tipo manipulação. No entanto, esta melhora é devido a reduções a curto-prazo em dor, tônus/tensão muscular e medo, e NÃO devido ao realinhamento das estruturas do corpo.
Nos primeiros dias após a lesão inicial, evitar atividades agravantes pode auxiliar na redução da dor, da mesma forma como se faria na presença de dor em outra parte do corpo, como após um entorse de tornozelo. Porém, existe forte evidência científica de que manter-se ativo e retornar gradualmente a todas atividades usuais, incluindo trabalho e hobbies, são importantes auxiliares na recuperação. Em contraste, repouso prolongado na cama não ajuda, e está associado com maiores níveis de dor, incapacidade física, recuperação menos favorável e abstinência do trabalho por períodos mais longos. De fato, quanto mais tempo a pessoa passar na cama devido a dor na coluna, mais dor ela sentirá.
Isso, talvez pareça estranho, mas, hoje em dia, nós sabemos que sentir mais dor não significa, necessariamente, que há mais dano. Em última análise, dois indivíduos com a mesma lesão podem sentir níveis diferentes de dor. O nível de dor percebido pode variar de acordo com uma série de fatores, incluindo a situação na qual a dor ocorre, experiências passadas, humor, medo, níveis de stress e a forma de lidar com a dor. Por exemplo, um atleta ou soldado pode não perceber tanta dor, depois de uma lesão, até mais tarde quando ele está em um ambiente menos intenso. Além disso, o nosso sistema nervoso tem a habilidade de regular o quanto de dor uma pessoa sente em qualquer momento. Caso a pessoa tenha dor na coluna, é possível que o seu sistema nervoso tenha se tornado hipersensível e esteja fazendo a pessoa sentir dor, mesmo após o entorse ou estiramento inicial ter cicatrizado. Isso pode significar que a pessoa sinta mais dor quando ela se movimenta ou tente fazer alguma coisa, apesar dela não estar causando dano a sua coluna. A participação no tratamento se torna mais fácil uma vez que uma pessoa com dor nas costas consiga distinguir entre a ‘sensação de dano’ que ela esteja sentindo, de quaisquer preocupações a respeito do ‘dano em si’ que ela acredite que possa estar sendo causado a sua coluna
Apenas uma pequena porção das pessoas com dor na coluna requerem cirurgia. A maioria das pessoas com dor na coluna consegue gerenciá-la mantendo-se ativas, desenvolvendo uma melhor compreensão a respeito do significado de dor, e identificando os fatores envolvidos na sua dor. Isso deve ajudar as pessoas a continuarem com as suas atividades de vida diária, sem ter que recorrer à cirurgia. Em média, os resultados de cirurgia de coluna, a médio e longo prazo, não são melhores do que intervenções não-cirúrgicas, como exercício físico.
Muitas pessoas acreditam que crianças carregando mochilas pesadas para escola pode causar dor na coluna. No entanto, pesquisas nesta área não encontraram este link, revelando que não há diferença no peso da mochila entre as crianças que desenvolvem e aquelas que não desenvolvem dor nas costas. Contudo, se uma criança – ou os seus pais – acredita que a sua mochila é muito pesada, esta criança TEM mais possibilidade de desenvolver dor nas costas, ilustrando a importância do medo no desenvolvimento de dor na coluna. Tendo em vista as preocupações a respeito de inatividade e obesidade em crianças, carregar a mochila talvez seja uma simples e saudável estratégia para as crianças fazerem um pouco de exercício físico.
Deveríamos todos sentar com uma postura ereta?
Ao contrário da crença popular, nenhuma postura sentada específica demonstrou ser capaz de prevenir ou reduzir dor na coluna. Diferentes posturas sentadas funcionam para diferentes pessoas, com algumas pessoas dizendo que sentem mais dor ao sentar ereto, enquanto outras reclamam ao sentarem curvadas. Então, enquanto sentar-se com a postura curvada tem má fama, não existe evidência científica alguma que apoie esta crença. Na verdade, muitas pessoas com dor na coluna tendem a adotar posturas muito rígidas (ex: Sentando- se com uma postura extremamente ereta) e com mínima variação. A habilidade de variar a nossa postura, ao invés de manter a mesma postura, junto com aprender a mover-se de maneira confiante, relaxada e com variabilidade é importante para pessoas com dor na coluna.
Geralmente, as pessoas com dor na coluna acreditam que atividades como levantar objetos, abaixar- se, e movimentos de rotação podem ser perigosos e devem ser evitados. No entanto, ao contrário da crença popular, pesquisas científicas feitas até hoje não apoiam uma associação consistente entre nenhuma dessas atividades e dor na coluna. Obviamente, uma pessoa pode desenvolver dor na coluna ao levantar algo de mau jeito, ou ao levantar um objeto que seja mais pesado do que ela normalmente levantaria. Da mesma forma, se a pessoa tem dor na coluna, estas atividades podem ser mais dolorosas do que o usual. Isso, contudo, não significa que a atividade é perigosa ou deve ser evitada. Enquanto um incidente ao levantar um objeto ou abaixar-se pode iniciar um episódio de dor na coluna, estas atividades são normais e devem ser praticadas para auxiliar no fortalecimento das costas, da mesma forma do que voltar a correr e praticar esporte após um entorse de tornozelo.
É comum, especialmente durante os primeiros dias de dor na coluna, que o movimento se torne um tanto alterado. Similar ao mancar após torcer o tornozelo, essa alteração de movimento geralmente se resolve conforme a dor diminui. Apesar de ser difícil no começo, é importante voltar a fazer as atividades que a pessoa valorize e que são dolorosas, ou causem medo. Muitas pessoas, após um episódio de dor na coluna, podem começar a se mover de forma diferente devido a medo da dor ou crença de que a atividade é perigosa. Estas alterações de movimento podem não ser saudáveis a longo-prazo e podem, na realidade, aumentar a tensão nas costas.
Quando alguém tem dor, uma boa noite de sono pode ser difícil de se obter. Porém, é uma via de mão dupla tendo em vista que, problemas de sono podem levar à dor na coluna no futuro. Da mesma forma que, problemas de sono podem nos fazer mais estressados, causar dor de cabeça, fazer-nos sentir cansado ou pra baixo, também pode causar ou prolongar dor nas costas. Assim, melhorando a rotina e os hábitos de sono pode ajudar bastante na redução de dor.
A maneira com que nos sentimos pode influenciar a quantidade de dor que experienciamos. Dor na coluna pode ser ativada após mudanças em níveis de stress, ansiedade e humor em nossas vidas. Da mesma forma que estes fatores estão ligados a outras condições de saúde como afta, síndrome do intestino irritável e cansaço, eles têm um efeito muito forte em dores na coluna. Como resultado, gerenciar os níveis de stress, humor e ansiedade fazendo coisas que se goste, e engajando em relaxamento pode oferecer grande benefício no auxílio contra a dor na coluna.
Muitas pessoas com dor têm medo de se exercitar e acabam evitando, pois pensam que exercício pode causar mais problemas. No entanto, isso não é verdade! Agora sabemos que exercício regular ajuda a nos manter e o nosso corpo saudáveis, e em fato reduz dor e desconforto. Relaxa tensão muscular, ajuda com o humor e fortalece o sistema imune desde que iniciado de forma gradual. Todos os tipos de exercícios são bons, sem grandes diferenças de efetividade entre eles – então, escolha um que você aproveite, possa bancar e que seja conveniente. Caminhar, usar as escadas, andar de bicicleta, correr e alongar são todos bons e ajudam a relaxar todos os músculos tensos no seu corpo. Quando você está com dor, começar a se exercitar pode ser bem difícil. Músculos que não estão acostumados a trabalhar sentem mais dor do que músculos saudáveis. Dessa forma, caso sinta-se dolorido depois de exercitar, isso não indica dano ou lesão ao corpo.
Tendo em vista que dor na coluna está associada com diversos fatores os quais variam entre indivíduos, tratamentos que abordem os fatores relevantes para cada indivíduo podem ser eficazes. A falha em conseguir alívio de dor após diversos tratamentos diferentes é frustrante e pode levar as pessoas a perderem a esperança. No entanto, isso é muito comum pois a maioria dos tratamentos abordam apenas um único fator. Um exemplo seria de uma pessoa que vai para uma massagem para aliviar os músculos doloridos, mas os níveis de stress, sono e condicionamento físico não são abordados. Através da identificação e abordagem dos diferentes fatores contribuintes em cada indivíduo, a dor pode ser reduzida significativamente e as pessoas podem viver uma vida mais feliz e saudável.
A World Confederation for Physical Therapy (WCPT) disponibiliza um guia (em pdf) sobre os 15 mitos sobre a Dor Lombar. Nele é possível acessar todas as referências utilizadas.
PRODUÇÃO: Dr. Mary O’Keeffe, Dr. Kieran O’Sullivan (University of Limerick), Dr. Derek Griffin (Tralee Physiotherapy Clinic).
Colaboração na tradução: João Paulo Caneiro (fisioterapeuta especialista da clínica Body Logic Physiotherapy (Perth, Australia) na qual trabalha juntamente com o Prof. Peter O’Sullivan. O JP leciona no Master of Clinical Physiotherapy na Curtin University, aonde atualmente faz o PhD. A sua pesquisa de Doutorado investiga a trajetoria de mudança de pacientes com dor lombar e medo, utilizando a Terapia Cognitivo Funcional como tratamento. Entre outras atividades, JP faz parte do Pain-Ed como colaborador, e é editor-associado do Body in Mind).
University of Limerick, Irlanda.
Fisioterapeuta.
Colaboradora Internacional do PED
Realiza estudos sobre Dor Lombar e Terapia Cognitivo Funcional.
2 thoughts on “15 Mitos sobre Dor Lombar”
Christian Yoshida
10 de janeiro de 2017 at 20:37
Dear Mary,
I am gratefull for this resume of such important article.
Just want to congratulate and say thanks for your information.
Best regards,
Christian
Mary O'Keeffe
15 de janeiro de 2017 at 17:47
No problem Christian; glad you liked it. More to come 🙂
All the best,
Mary