15 de julho de 2019
A recorrência de dor lombar em um ano é comum? 69% das pessoas com dor lombar podem ter novos episódios em um ano, mas com poucas limitações.
Por que se tornou tão comum ouvir alguém falando que tem hérnia de disco? Parece que a resposta vem do não esclarecimento na mídia e por parte dos profissionais de saúde de uma definição correta do que é hérnia de disco e de seu diagnóstico. A supervalorização das hérnias que aparecem nos exames de imagem como a ressonância magnética fica muito clara quando as pessoas dizem “a minha hérnia está se manifestando” sempre que uma dor lombar aparece. Ter uma crise de dor lombar incapacitante e ler o resultado “hérnia de disco” ou até mesmo ouvir de um profissional de saúde que a causa da dor lombar é a hérnia que aparece no exame de imagem é como se fosse uma condenação para muitas pessoas. A partir desse momento, o medo de danificar mais ainda a coluna fica claro em situações do dia a dia que envolvem principalmente pegar peso, atividades consideradas como sendo de impacto e permanecer em determinadas posturas. As limitações criadas por essas crenças incapacitantes vão desde as tarefas mais simples como dobrar o tronco para pegar algo no chão, até “não posso correr ou saltar por causa do impacto na minha hérnia”. Mas será que essas pessoas tem razão de ter esse medo? Primeiro vale à pena ver a definição de hérnia de disco e, segundo a ciência, do que é o diagnóstico de hérnia de disco.
Hérnia de disco é a ruptura do material fibrocartilaginoso que circunda o disco intervertebral. Essa ruptura envolve a liberação do material central do disco contendo a substância chamada núcleo pulposo, colocando pressão sobre um NERVO ESPINHAL e causando dor considerável e dano ao NERVO. (http://medical-dictionary. thefreedictionary.com/ herniated+d…)
De acordo com o artigo mais citado sobre o assunto (Deyo e col., Annals of Internal Medicine, 1990) o diagnóstico de hérnia de disco é utilizado em excesso, particularmente rotulando as pessoas que tem incapacidades funcionais severas associadas à dor lombar. O diagnóstico verdadeiro da maioria das hérnias de disco, segundo esse e vários outros estudos, deveria ser: DOR CIÁTICA (ABAIXO DO JOELHO) associada a SINAIS NEUROLÓGICOS (DORMÊNCIA E/OU PERDA DE FORÇA NOS MEMBROS INFERIORES) que leva a uma suspeita de hérnia de disco que deveria ser confirmada pela RESSONÂNCIA MAGNÉTICA apenas após 6 semanas. A importância de se respeitar o período de 6 semanas para solicitar a ressonância vem do fato que é neste período que boa parte das pessoas melhora naturalmente. Quando não há melhora importante durante esse período, uma investigação mais aprofundada passa a ter fundamento. Mesmo as hérnias de disco enormes, quando não há presença de INCONTINÊNCIA URINÁRIA OU FECAL, OU PERDA DE FORÇA IMPORTANTE NOS MEMBROS INFERIORES, têm bons resultados com o tratamento conservador (Benton et al. Ann R Coll Surg Engl 2010) .
Infelizmente não é o que acontece na maioria dos casos. Basta ter um episódio de dor lombar incapacitante com uma pequena dor referida para região posterior da coxa para que seja levantada a hipótese de hérnia de disco. Muitas pessoas que até mesmo tiveram dores apenas na região lombar tem orgulho das suas “falsas” hérnias de disco que apareceram nas ressonâncias magnéticas muitas vezes solicitadas de maneira inadequada, desnecessária e em excesso. Estudos mostram que as pessoas que nunca tiveram dor lombar na vida tem achados “anormais” nos exames de imagem, incluindo hérnias de disco (Brinjikji et al. Am J Neuroradiol, 2014). Isso leva até a uma certa competição para dizer quem tem mais hérnias na coluna toda e é fruto desse diagnóstico inadequado baseado apenas no exame de imagem, sem a adequada valorização de sinais e sintomas que são inerentes ao problema.
A realização de ressonância magnética precoce desnecessária é considerada IATROGENIA (erro do profissional de saúde) e causa muitas vezes dano psicológico a boa parte dos pacientes que passam a proteger a coluna “danificada” e a se tornarem grandes consumidores dos serviços de saúde (Emery et al. JAMA, 2013, Webster et al. Spine, 2013). Um estudo recente mostrou que devemos desconfiar dos resultados da ressonância magnética. Um mesmo paciente fez o exame em 10 diferentes centros e os resultados foram os mais variados. Os autores concluíram que a maneira que o radiologista interpreta o exame tem um grande impacto na escolha e no resultado do tratamento (Herzog et al. Spine Journal, 2016).
Algo que está sendo testado e que pode ser uma esperança para diminuir esse overdiagnosis (excesso de diagnóstico) é a inclusão de informações no laudo da ressonância magnética, contendo as prevalências dos achados “anormais” em pessoas assintomáticas (Jarvik et al. Contemp Clin Trials, 2015). A hipótese é que um laudo menos assustador possa ajudar no reassurance dos pacientes e dos próprios profissionais de saúde e levar a um menor índice de intervenções desnecessárias (overtreating) incluindo mais exames de imagem, o uso de analgésicos opióides, cirurgias, e até mesmo a fisioterapia.
4 thoughts on “As falsas hérnias de disco lombares.”
Igor
20 de dezembro de 2016 at 14:46
Para muitos médicos e fisioterapeutas, dor lombar não é diagnóstico. Querem uma confirmação da suspeita de hérnia de disco e exclusão de outras patologias, sem realizar uma avaliação adequada, assim que os sintomas surgem. Muitos fisios, inclusive, não atendem o paciente se ele não tiver exame. Falta educação a quem deveria educar a população de doentes.
Aída
21 de dezembro de 2016 at 14:55
Estou passanfo por este problema e exatamente como descreve e nada resolve.
Ja perdendo a a esperança
O que me aconselha?
Obrugada
Kiko
27 de janeiro de 2017 at 14:40
Muito bom o artigo, se bem que se não podemos exagerar no prognóstico, também não podemos menosprezar.
Muito tempo com má postura devido trabalho com notebook e etc, me levaram a um travamento do braço esquerdo e dor (choques) nessa região até ombro e pescoço, sendo descoberto uma hérnia c6 c7, que mudou minha vida.
Como gostaria que meu corpo tivesse me alertado antes de forma significante, pois ele já havia tentando antes mas não tão forte.
Pois bem, fui a um ortopedista e nossa como foi frustrante pagar caro um profissional e ter uma resposta fria dele de que eu não me preocupasse e fosse malhar…
É malhar! Me passou Lyrica, que não me tratou e continuei com dores, que só após procurar um neurocirurgião me fez pensar em viver de novo.
É bem verdade que cirurgiões amam cirurgias, tanto pelo fato medicinal quanto pelo fato lucro, e que de cara ele me recomendou a cirurgia, não que ele estivesse errado, mas que ele poderia ter me dado um tempo como esses 6 meses para ver se os outros tratamentos poderiam ser eficazes, de toda forma agradeço a esse neuro por me atender como um paciente e por me passar um medicamento maravilhoso. Agora que se passou 7 meses as dores voltaram em menor escala, e o remédio sofreu mais para me trazer as rotinas e começo a pensar na cirurgia.
Agora é o dilema, nem os estudos de pesquisas médicas garantem que a disectomia ou artrodese tem restaure sua vida sem provocar outras hérnias, ou até mesmo sem prejudicar sua mobilidade.
Todavia viver é um processo de desgaste, então tentamos ao menos eliminar as dores.
Boa sorte ao meus colegas de hérnia, e tomara que eu consiga me formar em medicina para poder explorar mais essa área.
Marina
10 de fevereiro de 2017 at 10:37
Kiko, vc já conhece o método Mckenzie de diagnóstico e terapia mecânica? Na minha opinião é a melhor técnica pra tratar coluna. Procura na dua cidade que vale a pena.