QUAL A IMPORTÂNCIA DOS ESTALOS (CREPITAÇÃO) EM PACIENTES COM DOR NO JOELHO?

junho 20, 2018 - pesquisaemdor

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Diariamente, muitos pacientes procuram consultórios ortopédicos e clínicas de fisioterapia em busca de atendimento devido a “dor no joelho sem causa definida”, conhecida como dor femoropatelar1. Uma das principais queixas desses pacientes, além da dor, é a crepitação do joelho. Crepitação é o termo científico para os estalos, barulhos ou “cracks” que acontecem no joelho durante o movimento. Existem várias explicações quanto a origem da crepitação e iremos explorar algumas teorias nos tópicos a seguir.

 

Porém, antes de explorarmos essas teorias, existem outras perguntas a serem respondidas: O que os pacientes pensam sobre a crepitação? O que esses barulhos significam para o paciente com dor femoropatelar?

Crepitação pela perspectiva do paciente com dor femoropatelar

Em um estudo qualitativo, Robertson e colaboradores (2017)2 investigaram quais são as crenças de pacientes com dor femoropatelar com relação aos “cracks” em seus joelhos. De forma bastante habilidosa, os autores dividiram os resultados do estudo em 3 temas principais: (i) Crença sobre o barulho; (ii) Opiniões de outras pessoas; (iii) Evitando o barulho. Apresentaremos brevemente o que os pacientes com dor femoropatelar relataram em cada um desses tópicos:

(i) Crença sobre o barulho: Os participantes expressaram vontade de saber o que o ruído significa, pois não entendem se sua condição é mais grave devidos aos barulhos feitos pelo joelho. Ao invés de se acostumar com o barulho, no decorrer do tempo os pacientes relataram aumento na ansiedade devido à incerteza sobre o significado do barulho. Muitos pacientes acreditam que os barulhos ocorrem devido ao avanço da idade e que, portanto, eles devem reduzir seus níveis de atividade física. Nota clínica do autor: Ansiedade e incertezas quanto a sua condição são indicadores de piores prognósticos em várias desordens musculoesqueléticas. Sessões de educação a respeito do significado da crepitação no joelho podem ajudar nessa angústia dos pacientes gerada pela incerteza de não saber o que o som significa. Além disso, crepitação não indica a “idade” da articulação.

(ii) Opiniões de outras pessoas: Em vários casos, os comentários de outras pessoas servem para reforçar crenças negativas sobre a crepitação. Os pacientes disseram que familiares e amigos expressam preocupação sobre o significado do ruído e sugerem evitar o barulho, ou procurar opinião médica. Porém ao procurar opinião de profissionais de saúde, os pacientes tiveram experiências ruins em relação à empatia e explicação sobre a crepitação. Isso porque, mesmo descrevendo a crepitação como um sintoma importante, muitas vezes eles foram simplesmente ignorados pelos profissionais. Embora minoria, aqueles que receberam explicações sobre a crepitação destacaram que isso foi muito útil. Nota clínica do autor: É evidente que pacientes querem informação sobre o barulho em seu joelho. Neste sentindo, entendem que o profissional de saúde é a pessoa mais adequada para sanar essas dúvidas. Novamente, a educação com relação ao que sabemos sobre crepitação é extremamente importante, uma explicação consistente e embasada irá satisfazer o paciente e reduzirá crenças negativas. Devemos sempre ouvir e jamais ignorar o que pacientes tem a nos dizer.

(iii) Evitando o barulho: Neste tópico os pacientes relataram várias estratégias realizadas para evitar a crepitação no joelho. Dentre as estratégias utilizadas está a alteração do padrão de movimento, alguns pacientes tentaram se movimentar de forma diferente com o intuito de evitar o barulho, com receio de que ele esteja relacionado ao “desgaste” da articulação. Outra estratégia relatada para evitar o barulho foi não realizar atividades de vida diária como correr para pegar um ônibus, agachar para pegar algo no chão e subir e descer escadas. Além disso, alguns pacientes se sentem desconfortáveis em ambientes sociais silenciosos como aulas de yoga e até mesmo quando frequentam a academia. Nota clínica do autor: Neste tópico, entendemos que crepitação no joelho tem impacto direto na função e em hábitos sociais de nossos pacientes, principalmente por acharem que a crepitação é um sinal que sua condição é grave. Após educar o paciente quanto ao significado da crepitação, e mesmo assim a queixa quanto ao barulho permanecer, algumas alternativas podem ser realizadas na tentativa de reduzir o barulho e serão abordadas nos tópicos a seguir.

Por que o joelho crepita? Existe explicação?

Existem várias teorias que buscam explicar as causas da crepitação no joelho3. Dentre as de maior destaque estão o fenômeno conhecido como cavitação (vaporização de um líquido pela redução da pressão) reportado por vários autores como a causa da crepitação4, enquanto outros reportam que a formação de uma bolha de ar em espaços na articulação são a fonte dos barulhos5. Recentemente, um estudo apresentou evidência, com uso de ressonância magnética em tempo real, que o mecanismo da crepitação está relacionado à cavitação, ao invés da ruptura de bolhas de ar formadas por espaços na articulação6. Alterações na pressão articular podem causar evaporação súbita de mínima quantidade do líquido sinovial. Quando a evaporação ocorre, pequenas bolhas de gás são formadas rapidamente, emitindo um som de estalo6. A formação de múltiplas bolhas pode fazer um som de “moedor de café”. Este tipo de estalido também pode ocorrer em articulações que não o joelho, e é mais prevalente nas articulações das mãos. Ligamentos e tendões ao redor da articulação do joelho também podem se esticar levemente à medida que passam sobre um pequeno nódulo ósseo e então se encaixam novamente, causando um estalido no joelho. Apesar do mecanismo pelo qual a crepitação ocorre ainda não estar completamente elucidado, as explicações acima são as mais aceitas pelas comunidades científica e clínica atualmente.

“Tenho dor femoropatelar, a crepitação no joelho indica que minha condição é mais grave?”

A resposta é simples, NÃO. O Brazilian Patellofemoral Pain Research Group com sede na UNESP – Presidente Prudente, conduziu um estudo7 para responder essa pergunta tão comumente feita para profissionais de saúde. Nós avaliamos 165 pacientes com dor femoropatelar, 112 com crepitação no joelho e 53 sem crepitação. Nosso objetivo foi verificar se a presença de crepitação tem correlação com uma condição clínica mais grave, para isso correlacionamos a presença de crepitação com (i) dor durante subida e descida de escadas; (ii) dor durante agachamentos; (iii) pior dor reportada no mês anterior; (iv) capacidade funcional; (v) nível de atividade física. Não encontramos correlação importante entre a presença de crepitação com nenhum desses desfechos clínicos. Ou seja, a presença de crepitação não indica que os pacientes têm mais dor, menor capacidade funcional ou menores níveis de atividade física.

Esses resultados têm grande utilidade para profissionais de saúde, pois auxiliam na educação de pacientes com dor femoropatelar quanto ao significado da crepitação. Informar o paciente que a crepitação não significa que sua condição é mais grave ou que ele é mais frágil, é uma informação bastante poderosa. Essa informação, acompanhada da explicação fisiológica das causas da crepitação, tem grande chance de satisfazer o paciente e ajudá-lo a ter uma atitude mais positiva com relação aos barulhos no joelho, para mais informações acesse o link a seguir e veja o artigo na íntegra (https://doi.org/10.1016/j.ptsp.2018.06.002).

 

“Ainda sim, o barulho me incomoda”

Para pacientes que mesmo após receberem educação e entenderem que a crepitação no joelho não significa que a sua condição é mais grave, e ainda assim, têm o barulho como grande queixa, algumas intervenções podem ser realizadas. Porém, poucos estudos investigaram, com qualidade, estratégias para reduzir a crepitação no joelho. Dentre as estratégias já reportadas na literatura estão3: (i) Alongamento dos músculos flexores de quadril e da banda iliotibial e (ii) Fortalecimento dos músculos extensores de joelho e abdutores de quadril. Entretanto, o mais importante é informar o paciente que crepitação é apenas um som e não um sintoma.

 

Referências:

  1. Smith BE, Selfe J, Rathleff MS. Incidence and prevalence of patellofemoral pain: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2018;13(1). doi:10.1371/journal.pone.0190892.
  2. Robertson CJ, Hurley M, Jones F. People’s beliefs about the meaning of crepitus in patellofemoral pain and the impact of these beliefs on their behaviour: A qualitative study. Musculoskelet Sci Pract. 2017;28:59-64. doi:10.1016/j.msksp.2017.01.012.
  3. Song SJ, Park CH, Liang H, Kim SJ. Noise around the knee. Clin Orthop Surg. 2018;10(1):1-8. doi:10.4055/cios.2018.10.1.1.
  4. Protopapas MG, Cymet TC. Joint cracking and popping: understanding noises that accompany articular release. J Am Osteopat Assoc. 2002;102(5):283-287.
  5. Brodeur R. The audible release associated with joint manipulation. J Manip Physiol Ther. 1995;18(3):155-164.
  6. Kawchuk GN, Fryer J, Jaremko JL, Zeng H, Rowe L, Thompson R. Real-time visualization of joint cavitation. PLoS One. 2015;10(4):1-11. doi:10.1371/journal.pone.0119470.
  7. De Oliveira Silva D, Pazzinatto MF, Priore LB Del, et al. Knee crepitus is prevalent in women with patellofemoral pain, but is not related with function, physical activity and pain. Phys Ther Sport. 2018:In Press. doi:10.1016/j.ptsp.2018.06.002.

 

 

Danilo de Oliveira Silva

Fisioterapeuta graduado (2012) na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Em 2013 iniciou o curso de mestrado em Fisioterapia na Universidade Estadual Paulista (UNESP – campus Presidente Prudente), começando os seus estudos na temática da dor femoropatelar. Após a conclusão do mestrado em 2015, iniciou o curso de doutorado em Fisioterapia também pela UNESP. Atualmente, Danilo está concluindo uma etapa de seu doutorado na La Trobe University em Melbourne – Austrália, buscando entender quais são as melhores alternativas para educar pacientes com dor femoropatelar e atingir bons resultados com menores custos. Danilo, tem grande interesse em contribuir na implementação direta de achados científicos na prática clínica. Por isso, é integrante do grupo TREK (Translating Research Evidence and Knowledge). Contatos podem ser feitos via: Twitter: @danilo110190. Facebook: Danilo De Oliveira Silva e também pela página do Brazilian Patellofemoral Pain Research Group.

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